O Poço é uma obra cinematográfica espanhola que após seu lançamento, em pouco tempo ganhou destaque diferenciado entre os mais assistidos na plataforma da Netflix, destaque inclusive merecido pela perfeição e inteligência em que o longa-metragem conduz a crítica embutida no desenrolar da história.
Acompanhando as cenas dessa obra, percebemos que a história se trata de uma profunda detenção no formato vertical onde os prisioneiros pagam suas respectivas penas acomodados em duplas por nível (andar). No horário da única refeição diária os indivíduos são alimentados por uma plataforma que desce levando um banquete, e quanto mais inferior o andar, menos comida se chega, principalmente nos últimos que na maioria das vezes chegam apenas ossos ou até mesmo nada; isso porque as duplas dos andares mais altos degustam tudo o que podem durante o curto tempo em que a plataforma fica parada nas divisões superiores.
E o que tem isso a ver com a realidade?
O conto é metafórico, uma verdadeira parábola a respeito da sociedade em que vivemos. Observe que no filme os prisioneiros dos andares de cima se alimentam do bom e do melhor, ou seja, quanto mais alto o andar, melhor a alimentação dos indivíduos. Importando esse contexto da ficção para realidade da sociedade atual, quanto mais alto econômica e socialmente o sujeito está inserido, melhor se alimenta (veste, calça, mora, etc.), e ao olhar para os corruptos da política brasileira, lembro que, enquanto eles “comem” ilegalmente (via cofres públicos) dos manjares intocáveis, os que estão introduzidos nas classes baixas desfrutam apenas das sobras, isto é, quando sobra, dado que, quase sempre não deixam sobras suficientes para gastos legais com as necessidades públicas da população (saúde, educação, habitação, segurança pública e até mesmo a própria alimentação), ou seja, não deixam gerar o tão sonhado equilíbrio social que produziria equidade e igualdade.
Numa sociedade em que todos têm as mesmas necessidades sociais (representada no filme pela fome), a verba pública oriunda dos impostos da própria sociedade sanaria essas necessidades, mas se ficam retidas de forma errônea no andar superior, certamente chegarão apenas os ossos ou nada para muitos brasileiros que estão inseridos nos andares inferiores, nas classes menos favorecidas.
Se a “detenção social” em que vivemos fosse colocada no sentido horizontal, provavelmente teríamos mais equidade e igualdade, visto que, não haveria andares nem acima e nem abaixo, todos viveríamos em um único nível; mas enquanto a metodologia e regulamento capitalista da nossa política se achar majoritariamente superior às classes baixas da sociedade, viveremos nesse eterno poço sem fundo de desigualdade social, inclusive vendo muitos de nós nos alimentando literalmente das sobras e até mesmo de nada que restar dos andares de cima.