Apesar dos avanços nas discussões sobre diversidade e inclusão, a presença de pessoas com deficiência no mercado de trabalho ainda está longe do ideal no Brasil. Dados do Ministério do Trabalho mostram que, atualmente, apenas 545,9 mil pessoas com deficiência possuem vínculo empregatício formal, o que representa menos de 1% do total de trabalhadores no país.
Entre as deficiências, a síndrome de Down (ou T21) tem um recorte ainda mais sensível. Segundo o IBGE, há cerca de 300 mil pessoas com síndrome de Down no país, mas a presença delas em ambientes profissionais ainda é tímida. Para a médica pediatra Renata Aniceto, mãe da Laura, de 20 anos, que tem T21, a transformação precisa começar cedo e em casa.
“Tudo começa dentro de casa, quando você ressignifica o diagnóstico e passa a enxergar seu filho para além da síndrome”, afirma.
Ela explica que atitudes simples, como incentivar a criança a escovar os dentes sozinha, guardar os brinquedos ou ajudar em pequenas tarefas da rotina, fazem toda a diferença no desenvolvimento da autonomia. “É nos pequenos gestos do dia a dia que a autonomia vai sendo plantada”, diz a pediatra.
Outro ponto essencial, segundo ela, é a escolha pela inclusão escolar e pela convivência social desde a infância. Mesmo enfrentando adversidades, a insistência em oferecer os mesmos estímulos e oportunidades que qualquer outra criança é, para Renata, o caminho para fortalecer a autoconfiança.
Se durante a infância há uma variedade de estímulos, acolhimento escolar e orientação, a vida adulta ainda é marcada por um vazio estrutural. Poucos espaços de formação técnica ou profissional estão preparados para receber pessoas com síndrome de Down, e ainda menos empresas estão abertas a incluí-las de fato.
A pediatra defende que a inclusão não pode ter prazo, ela precisa ser construída desde cedo, preparando a pessoa com T21 para se locomover sozinha, se organizar, se comunicar e reconhecer seu lugar no mundo.
“É como se muitas portas se abrissem quando a criança nasce com estímulos, acolhimento e terapias, mas depois fossem se fechando aos poucos conforme a idade avança. E a gente não pode deixar isso acontecer.”
Para que haja continuidade, ela reforça a importância de:
Hoje, Laura trabalha em um sistema de emprego apoiado, modalidade que oferece suporte contínuo para que pessoas com deficiência exerçam suas funções com mais segurança e independência. A oportunidade surgiu após ela ingressar em um curso técnico, fazendo um trajeto de quase uma hora para estudar.
“É emocionante ver esse processo acontecendo com a minha filha. Mas nada disso seria possível sem o primeiro passo: acreditar! Acreditar que a T21 não é limite. Que seu filho vai errar, sim, como todos nós. Mas é justamente nessas tentativas que ele vai se descobrir, crescer e ocupar espaços que, um dia, disseram que não eram para ele.” conclui a especialista.
Neste Dia Internacional do Trabalho, Renata reforça que a inclusão profissional de pessoas com deficiência e com síndrome de Down não começa com uma contratação, mas muito antes, na rotina e nas escolhas cotidianas das famílias.
“Prepare-se para o futuro vivendo o presente com intenção. Inclusão começa cedo, com atitudes diárias que constroem autonomia e mostram, na prática, que todos têm direito ao trabalho, à dignidade e ao protagonismo.”
Sobre a Dra. Renata Aniceto Pediatra
Renata Aniceto é médica pediatra formada pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em nutrologia pela Santa Casa de São Paulo e pela Boston University School of Medicine, pós-graduação em cuidados à síndrome de Down (T21) pelo CEPEC-SP e em transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo autismo (TEA) e TDAH. Com mais de 20 anos de experiência, é referência nacional em puericultura e desenvolvimento infantil de crianças com síndrome de Down e em transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo TEA e TDAH pela Certificação Thiago Castro. Secretária do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria, é fundadora da Comunidade Tribo 21 e criadora do curso Guia Prático para Médicos no Atendimento à Criança com T21. Além da atuação clínica, dedica-se à educação médica, capacitando pediatras e promovendo o acesso à informação qualificada para famílias de crianças atípicas.