Não é a primeira vez que escrevo sobre a escalada autoritária das decisões judiciais emanadas pelo Supremo Tribunal Federal, a alta cúpula do poder judiciário brasileiro. Decisões recentes proferidas por seus integrantes têm causado o espanto até mesmo mesmo de juristas mais afeiçoados a uma corte constitucional forte e atuante. O julgamento de Débora Rodrigues dos Santos confirma a tese.
A cabeleireira está sendo processada por atos de vandalismo cometidos no fatídico 8 de janeiro de 2023. Sua conduta principal foi de escrever com batom a frase “perdeu mané” em uma estátua da Justiça, em Brasília, fazendo alusão à declaração de um dos ministros da Suprema Corte, Luís Roberto Barroso, ao final das eleições presidenciais de 2022. Até agora, apenas Alexandre de Moraes e Flávio Dino proferiram voto para condenar a cabeleireira.
Segundo o entendimento dos magistrados, a moça teria incorrido nos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União. Todas estas condutas resultariam em uma pena de 14 anos de prisão, inicialmente em regime fechado.
A intensidade da pena chama atenção, tanto pelo baixo grau de reprovabilidade da conduta de Débora, quanto pela fundamentação apresentada para condená-la. Segundo os ministros, não haveria a necessidade de individualização detalhada das condutas cometidas, já que o simples fato de ela estar na manifestação, já caracterizaria o dolo de perpetrar um golpe de estado. É o que Moraes chama de crimes de multidão (ou multitudinários), no qual o dolo do agente se refelte na conduta do grupo.
No entanto, isso não condiz com o sistema penal brasileiro. O simples fato de estar em uma manifestação não significa que o participante compartilhe das mesmas intenções de todos ali presentes. Por isso que, no sistema penal pátrio, há que se ter um detalhamento claro da conduta de cada um dos réus, a fim de se verificar o dolo e o grau de participação dos envolvidos. Não é o que ocorre, atualmente, no julgamento dos manifestantes do 8 de janeiro.
Sendo assim, a condenação de Débora é irrazoável, desproporcional e fere o Estado Democrático de Direito, resultado de um entendimento jurídico autoritário que foi construído nos últimos tempos, mas que extrapola os limites constitucionais do direito penal, causando máculas que refletem no funcionamento pleno e constitucional da democracia brasileira.