Fiscalização, investimento e visibilidade. Presidida pelo deputado estadual Alcântaro Filho (Republicanos), a Comissão de Proteção à Criança e ao Adolescente discutiu nesta terça-feira (19), em reunião extraordinária, os principais desafios da acessibilidade e inclusão de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), principalmente a inclusão escolar. O debate contou com a participação da presidente e da tesoureira da Associação dos Amigos dos Autistas do Estado do Espírito Santo (Amaes), respectivamente, Pollyana Paraguassu e Heloisa Moraes.
Em sua fala, Pollyana deu exemplo de barreiras, incluindo as atitudinais. Criticou a realidade da nossa sociedade que tem inúmeras leis sobre direitos para pessoas com deficiência (PcDs), mas que as famílias ainda precisam “mendigar por elas todos os dias”. Enfatizou a reclamação na falta de acompanhamento e zelo nas escolas, e da cultura social que ainda trata alunos com deficiência como “fardos”.
“Já sabe que aquela criança está matriculada, ela vai precisar de um acompanhamento, mas só coloca uma para maio e junho, é um sofrimento para a família (...) muitas vezes os nossos filhos são vistos como fardos, e não são, porque se nós tivermos uma boa política, uma política de investimento na infância e na adolescência, nós não teremos beneficiários da prestação continuada, nós teremos contribuintes, pessoas que possam sim trabalhar e contribuir com a sociedade pagando devidamente também os seus impostos, mas nós precisamos acreditar em um investimento”, conclamou.
Para a presidente da Amaes, a fiscalização institucional é o caminho para tornar as legislações efetivas, mas ressaltou que o passo mais importante ainda é “aprendermos a validar a existência de alguém”. “Antes da deficiência, tem a pessoa. Inclusão não é o favor, inclusão é o direito”. Sobre a barreira educacional, Pollyana enfatizou que a falta de formação dos profissionais ainda é o principal gargalo.
“Os profissionais não são capacitados, muitos não estão preparados para a acessibilidade, porque as atividades precisam ser adaptadas. Mas quem não tem atividades adaptadas, por mais que às vezes a gente queira ajudar, a gente é visto ainda como barraqueiro, mas é porque é uma forma de contribuir para essa tríade família, escola, intervenção, isso precisa ser alimentado de uma forma clara”, pediu.
O deputado presidente da comissão corroborou com as falas da convidada.
“A Pollyana disse aqui muito bem, nós temos um par de leis que já foram instituídas (...), representam de fato um avanço, mas a gente precisa ter medidas mais efetivas do que tão somente a frieza do papel de uma lei. Então, de fato, a realidade que se impõe, seja na cultura, na discriminação, ou até mesmo na ignorância de muitos que a gente vê no dia a dia, e também condiz com talvez a falta de investimento do poder público na melhor qualificação dos servidores, dos funcionários das escolas, das unidades de saúde e dos outros serviços públicos para lidar com o tempo que é tão presente”, refletiu Alcântaro Filho.
Exclusão em sala
Tesoureira da Amaes e mãe de uma criança de 14 anos com TEA, Heloisa Moraes denunciou a permanência de uma lógica excludente em sala de aula, com pouco apreço pela adaptação e acompanhamento pedagógico de alunos com o transtorno.
“Quando se fala em acessibilidade, geralmente se pensa na estrutura, na escada, na rampa, no banheiro adaptado, mas só que a acessibilidade vai além disso. O meu filho fala, ele é verbal. Você imagina ouvir de uma criança de 9 anos de idade, chegar e perguntar, mãe, eu não sei ler e escrever por causa do autismo? O que é para uma mãe ouvir isso de uma criança de nove anos? E eu pergunto, o que eu poderia responder para o meu filho? O meu filho está sendo incluído na escola?”, indagou Heloisa.
“Como que nós mães sentimos quando o nosso filho está na escola? O que está ocorrendo? Isso gera uma dor muito grande em nós familiares. Você imagina uma criança chegar a um ponto e perguntar se é por causa do autismo. Aí eu pergunto, se o meu filho está matriculado na escola, tem professora de educação especial, tem cuidador, tem professor regente, mas o que está sendo feito lá dentro da sala? Meu filho, volta e meia, ele já veio com caderno em branco”, reclamou a mãe.
Heloísa relatou ainda uma situação de transferência de culpa.
“Uma vez eu fui chamada na escola para uma reunião e falaram ‘você está dopando o seu filho, porque o seu filho chega aqui na escola, e ele fica dormindo’. (...) Eu? Dopando meu filho? O meu filho, desde os seis anos de idade não toma medicação nenhuma. O meu filho, pelo contrário, para dormir, ele tem que tomar remédio, porque ele tem distúrbios de sono. (...) a gente é praticamente atacado pelas escolas, porque eles só sabem jogar a culpa, ou é na criança, ou é na família. (...) Se meu filho está dormindo na sala de aula, é porque ele não tem o acompanhamento que ele precisa, não tem a atividade adaptada, porque nenhum professor dá trabalho para ele”, desabafou.
Visibilidade
O presidente da comissão, deputado Alcântaro Filho, colocou o compromisso do colegiado como par na luta da instituição, com destaque em três pontos: fiscalização, investimento e visibilidade.
“Os três principais pontos colocados aqui são a fiscalização das leis que já existem e dos serviços públicos, que precisam ser aperfeiçoados. Do investimento, o aumento do investimento do poder público, que de fato é ínfimo perto da necessidade real que nós temos em crescente ano após ano. E também a visibilidade que nós precisamos conferir a essa causa para promover um aperfeiçoamento cultural, que talvez aí é o maior desafio que nós temos”, pontuou o deputado.
Alcântaro sugeriu a instituição no âmbito da comissão de uma espécie de disque-denúncia, “sobretudo já com vistas ao período de matrícula e as condições em que as escolas se prepararão para o ano letivo de 2025”.
Já o parlamentar Coronel Weliton (PRD) defendeu que o poder público reveja sua efetiva responsabilidade e prioridade orçamentária em relação às demandas sociais atendidas por entidades do terceiro setor.
“É um contrassenso muito grande a gente aprovar um orçamento estadual para 2025, um orçamento bilionário, no qual, obviamente, muito importante as obras físicas, que acontecem em todo o território capixaba, mas está faltando esse olhar do governo, esse olhar colocando a pessoa em primeiro lugar”, afirmou. Para Coronel Weliton, sem a reversão dessa lógica, entidades ficam “sempre com pires na mão, pedindo pelo amor de Deus para o governo dar um recurso, para enxergar as instituições que fazem o que estão fazendo”.